O conveniente cansaço delas.

Há poucos anos, Regina Duarte – que fora a “namoradinha do Brasil” – causou espanto repulsivo ao, por encomenda e sem argumentos pelo menos razoáveis, disse “ter medo” de uma vitória de Lula à Presidência da República. Os marqueteiros, à época, tentaram repetir, com Regina, o impacto formidável que, em plena ditadura, a notável atriz Dina Sfat causou ao país e à nação: “Eu tenho medo dos militares, eu tenho medo da ditadura”, disse ela, a um dos mais poderosos generais da época, em programa ao vivo de televisão. O câncer devorava as carnes de Dina, mas ela falou de seu grande medo, ao passo que Regina Duarte – que tão valente fora quando da morte de Wlado Herzog – aceitou colocar-se a serviço do PSDB cujos escândalos já espantavam o país.

No lugar daquele medo falso, parece que, agora, publicitários inventaram também o falso cansaço. E lá estão elas, de novo – as caras que frequentam “Caras”, que transitam pelo mundo da fantasia e das ilusões – insistindo em falar em cansaços tolos, falsos e adequados aos que não se conformam com a distância do poder.Ou há quem possa acreditar que mulheres divertidas, descomprometidas, estrelas do entretenimento, funcionárias da grande indústria das comunicações e fonográficas, estariam realmente cansadas do mundo de que fazem parte? Na revista “Caras”, de agosto recém passado – que folheei na sala de espera de um consultório médico – lá estavam elas, em página dupla, com as mãos delicadas e bem cuidadas postas no coração: Hebe Camargo, Ana Maria Braga, Regina Duarte, Ivete Sangalo. E davam o aviso, como se fossem novas Joanas D´Arcs ou encarnações de La Passionaria: “Cansamos.” De quê? Por acaso, seria cansaço de Paulo Maluf, de empreiteiras baianas e paulistas, de cervejarias multinacionais, que sempre compatilharam de seus programas?

O Brasil está cansado, sim. Mas um cansaço que vem do povo, que se sente espoliado em todos os níveis, desde o municipal. Cansado não apenas do mensalão ou do que ocorreu no governo de Lula. Mas cansado de terceirizações não explicadas, de privatizações escandalosas, cansado do silêncio que se fez em escândalos no Governo também de Fernando Henrique, cansado de ver a impunidade de Fernando Collor, de Paulo Maluf, de centenas e centenas de políticos que frequentam, como convidados, os programas de Hebe, de Ana Maria Braga, os palcos de Regina Duarte e de Ivete Sangalo.

Há poucos dias, jornalistas locais diziam de sua indignação com o que envolve Renan Calheiro. Claro que é indignante. Mas e aqui, em Piracicaba? Por que as mesmas penas que condenam políticos de Brasília e clamam aos céus contra tanta corrução, são tão silenciosas com o que acontece em Piracicaba, as denúncias de sanguessugas, de máfias de casinhas, de vampiros, a imoralidade de pessoas que financiaram campanhas vencedores fazerem parte do governo por elas financiado?

Ora, senhoras damas de nosso teatro de fantasias: não se cansem tanto, pois a máscara cai com um pouquinho do suor derramado. Cansado está o povo, que não tem mais a quem recorrer, tal a fragilidade que encontra nos três poderes constituídos e em grande parte da imprensa, cujo dever maior é o de ser os olhos do povo, não de grupos encastelados no poder. O terrível é constatar como essa gente finge não se enxergar a si mesma. Ou o que seria pior ainda: enxerga-se e não se vê.

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