Sadam, de tirano a mártir.

A estupidez da política internacional de Bush Jr – se se pode dizer que os EUA, sob seu governo, têm, realmente, uma política de relações internacionais – acaba, com o enforcamento de Sadam Hussein, de acender o último pavio que faltava para explodir o barril de pólvora do mundo. E não se trata apenas do Oriente, sempre conflagrado. Mas de sua extensão a todo o Ocidente.

A invasão do Iraque – a pretexto de encontrar armas de destruição em massa e de apoio às loucuras de Bin Laden – foi um ato, mais do que de insanidade política, de suicídio moral. Pois nunca, como neste governo de Bush Jr., os Estados Unidos chegaram a um tal grau de desrespeito e de falta de credibilidade junto à comunidade internacional, incluindo países tradicionalmente aliados. E se o suicídio moral estava posto, acentuou-se com a ainda mais estúpida idéia de se instalar a democracia no Iraque, considerando-se que, por democracia, os governos estadunidenses entendem apenas a que eles praticam. Ora, qualquer aprendiz de política internacional, de teoria política ou de sociologia básica sabe que a realidade do Oriente, como civilização e como cultura, não permite se instalem, por decreto ou pela força, valores ocidentais, por mais exemplares possamos considerá-los.

O Iraque, sabe-se, é um país artificial, uma ficção jurídica criada por Winston Churchill, após a II Guerra, para abrigar, na verdade, etnias que buscam um território, etnias e seitas religiosas. Daí, a luta sem fim entre sunistas, xiitas, curdos e toda a sorte de radicalismos de um islamismo deformado que pouco tem a ver com os valores pacifistas do verdadeiro Islam. Ora, o Iraque – berço da humanidade, na ancestral Mesopotâmia – guarda, mesmo sendo juridicamente artificial, valores milenares que nem Sadam Hussein foi capaz de destruir. E nunca se esqueça: Sadam Hussein e Bin Laden foram lideranças criadas e mantidas pelos Estados Unidos, que as preservaram enquanto lhes foram do interesse próprio.

O mundo estarreceu-se diante do horror e da tirania do totalitarismo de Sadam Hussein. Provado foi seu propósito genocida em relação aos curdos, provados foram os seus crimes tanto na paz como na guerra. Aos olhos do mundo, Sadam Hussein foi um tirano possível de assemelhar-se a figuras como Hitler e Stalin. Os Estados Unidos, no entanto, ao invadirem o Iraque, tocaram nos brios milenares de facções, de etnias, de tribos. Se Sadam era tirano, os Estados Unidos foram, para os iraquianos, o país invasor. A tragédia está instalada, repetindo-se o que apenas Bush Jr. e seus “aloprados” assessores, para repetir expressão de Lula, não quiseram ver: era o novo Vietnam. O fracasso da invasão estava anunciado.

O enforcamento de Sadam Hussein foi a última gota de insanidade a fazer transbordar os cálices de ódio e de revolta contra os Estados Unidos e seus parceiros, especialmente a Grã Bretanha. Primeiro porque, no mundo inteiro, a pena de morte está sendo tida e havida como um sinal de barbárie incompatível com os mínimos processos civilizatórios. E condenação à forca, uma barbárie ainda mais monstruosa. Não há quem, mesmo sabendo da crueldade e do horror sob Sadam Hussei, possa concordar com esse enforcamento, mesmo que Bush Jr., com cinismo irresponsável ou insanidade incontrolada, ainda o justifique como “julgamento justo e passo importante em direção à democracia.”

No último dia de 2006, Bush Jr. joga o mundo num poço agora sem fundo: de tirano, Sadam Hussein se transforma em mártir. E o martírio, entre muçulmanos radicais, tem um nome e conseqüências assustadoras: a guerra santa. Bush Jr. tornou o mundo ainda mais inviável. A segurança mundial está pendurada naquela forca

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