Uma cidade despreparada

Vejo, assisto a e participo – há quase 60 anos – de todas as mudanças e transformações pelas quais Piracicaba tem passado nestas últimas décadas. De uma certa forma, sinto-me privilegiado por isso. Tendo começado muito cedo no jornalismo – e a partir de uma infância com pais sempre atualizados – acompanho e vejo as mudanças desde o final readquirida. Nomes de estabelecimentos comerciais davam ênfase a isso: o bar Nova Aurora, o armazém Nova Era, e assim por diante.

Nos 1950 – graças a Mário Dedini e empresários que formavam empresas a partir da metalurgia, da criação de usinas, dos negócios sucroalcooleiro – Piracicaba viveu um “boom” de prosperidade e de progresso. Peço que atentem para as palavras que usei: prosperidade e progresso. Estes são objetivos éticos, buscas nobres. Crescimento simples pode ser apenas natural, ou monstruoso quando criado artificialmente.

Até os 1970, Piracicaba mantinha-se em desenvolvimento harmonioso, que começou a entrar em declínio a partir dessa época. Foi quando começou a se dar o crescimento desordenado, com a má preparação e a artificial criação de um Distrito Industrial que fora condenado pelos técnicos e especialistas por se situar em área errada. Lá estavam as melhores terras aráveis e agriculturáveis de Piracicaba. A sua destinação – conforme projeto elaborado na Câmara e com aceitação do Executivo – era para a criação de um “cinturão verde” piracicabano.

O que houve para o caos que começou a se instalar? Em meu entender – de quem acompanhou, de quem participou, de quem lutou por um progresso autêntico e verdadeiro – foi a perda de lideranças, o despreparo humano. Pois, do final dos 1960 aos primeiros anos dos 1970, Piracicaba perdeu seus principais líderes políticos e empresariais. Era uma cidade que vivia em permanentes debates, onde sindicatos, clubes de serviço – Rotary, Lions – instituições – Igreja, Maçonaria, Imprensa – participavam da vida piracicabana, que tinha força especial na Associação Comercial e no Conselho Coordenador das Entidades Piracicabanas.

Instituições e organizações não se atrelavam ao poder político. Pelo contrário, eram grupos de pressão que estudavam os interesses comunitários, que preservavam a vocação piracicabana diante da História e, a partir disso, forneciam subsídios aos poderes Executivo e Legislativo. Éramos uma cidade preparada para as mudanças. Mais ainda: tínhamos líderes e organizações humanas capacitadas e com espírito público para defender a identidade piracicabana ao mesmo tempo que nos impulsionava a um progresso autêntico. Não nos esqueçamos: Piracicaba sempre foi uma cidade pioneira. Nos séculos 19 e 20, estivemos entre as principais cidades do país em educação, em saúde, em limpeza pública, em serviços públicos, em criatividade, em iniciativas empresariais.

Muito já escrevi e contei a respeito de todas essas mudanças. E nunca me cansei de advertir quanto ao aventureirismo que se escondeu e ainda se esconde sob falsas noções de desenvolvimento. Não há progresso material se o beneficiário não for a comunidade humana. Piracicaba, hoje, se transforma celeremente. São novas mudanças, novas transformações. Arrogo-me o dever e a responsabilidade – como decano da imprensa local e na condição de quem já viu todas essas histórias ao longo de quase 60 anos – de advertir: Piracicaba não está preparada para tais e radicais mudanças. E o despreparo está nas deficiências estruturais e, em especial, nas deficiências de lideranças humanas. E, por tais lideranças, remeto-me às que construíram toda essa história: homens e mulheres com verdadeiro espírito público, com senso de comunidade, com responsabilidade para com a nossa História e dignas de nossa gênese.

Progresso, insisto, tem objetivo ético, proposta e busca éticas. Crescimento é outra coisa. Frankenstein foi uma invenção criada com deformações. E cresceu. Deformado.

1 comentário

  1. Antonio Carlos em 17/12/2012 às 09:06

    Verdade, Cecílio. De que adiantam as obras de tijolo se não há almas humans que os habitem? Piracicaba deixou sua vocação porque deu ouvidos à tentação do progresso econômico, velho e conhecido caminho que acaba em nada. Fatos mostram que países e nações se reegueram da cinzas graças não ao dinheiro mas à solidariedade humana. Quando vier a crise, que sempre vem por causa da ganância, teremos uma legião de desempregados para sustentar. Então os vendedores de ilusão estarão longe.

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